A insegurança no agro sul brasileiro

Publicado em: 28/08/2023

Por Ivan Ramos , diretor executivo da Fecoagro

A caixinha de surpresas no setor agropecuário continua presente. Quando não é uma coisa, é outra. Neste ano especialmente, devido a mudanças nos governos, tanto na União quanto nos estados, a implantação de novidades parece estar mais presente. Novos comandos políticos normalmente trazem consigo novas diretrizes nas assessorias. Às vezes técnicas, outras vezes políticas e muitas vezes ideológicas. É aí que a situação se complica para quem está no dia a dia da produção, independentemente de quem esteja no poder. O setor agropecuário frequentemente é afetado por medidas quase sempre tomadas em gabinetes, o que pode provocar consequências desagradáveis. 

A rotatividade nos comandos é saudável, assim como a mudança de pessoas em cargos. No entanto, tomar decisões de mudança sem considerar o que estava funcionando bem e, pior ainda, sem ouvir os afetados, é algo que não deveria acontecer. A recente decisão do Ministério da Agricultura de reduzir a janela de plantio de soja no sul do Brasil foi uma medida impactante nos três estados da região sul do país. Reduzir a época de plantio de 140 para apenas 100 dias afeta diretamente os agricultores, acarretando consequências indesejáveis e tendo impacto nas receitas. Isso não afeta apenas os agricultores, que terão uma renda menor e ociosidade na terra em janeiro e fevereiro, mas também os cofres públicos. Afinal, um plantio menor – em Santa Catarina, quase 60 mil hectares deixarão de ser cultivados – significa menos atividade econômica, menos sementes, menos adubos, menos defensivos, menos transporte e menos uma série de atividades que o campo gera. 

Como resultado, haverá uma diminuição no movimento econômico, afetando a arrecadação de tributos nos estados afetados. No caso de Santa Catarina, a decisão do Ministério da Agricultura de publicar a Portaria 840, estabelecendo novos períodos de plantio de soja e ignorando as práticas anteriores, terá repercussões ainda piores. Não plantar milho na safrinha, ou seja, em janeiro e fevereiro, prejudicará o plantio do milho na safra de verão que antecede a soja. Os agricultores preferirão usar a terra para a soja de verão, prejudicando o plantio de milho e reduzindo a oferta do grão no nosso estado. Isso provavelmente nos obrigará a buscar o produto em outros estados para abastecer nossas agroindústrias, o que resultará em maiores custos e perda de receita fiscal para o estado. 

Do ponto de vista do governo federal, o argumento é que a redução do tempo visa a diminuir o risco de propagação da ferrugem asiática. No entanto, os técnicos da região sul argumentam que historicamente esse risco não existe aqui devido ao clima frio. No entanto, em Brasília, a perspectiva é diferente, como se todas as regiões tivessem o mesmo clima num país de proporções continentais. O Ministro da Agricultura menciona que está sendo estudada a possibilidade de regionalizar a medida. Se isso é viável, por que não foi feito antes de anunciar a Portaria que está causando impactos no campo e prejudicando a imagem do governo? 

No Brasil, infelizmente, as decisões muitas vezes são tomadas sob pressão. No Paraná, já começou um movimento de protesto contra a medida. Aqui em Santa Catarina, após inúmeras tentativas do governo estadual junto ao governo federal, as entidades do setor agropecuário, que compõem o Fórum Permanente do Setor, também se manifestaram e apresentaram uma exposição detalhada dos problemas, solicitando ao Ministro que reconsidere a Portaria. Vamos ver se essa solicitação terá algum eco, uma vez que, geralmente, aqui no estado, apesar de sermos expressivos produtores de alimentos e o sexto maior arrecadador de tributos para a União, temos pouca voz no âmbito federal. Esperamos que desta vez as coisas funcionem. Pense nisso. 

Fonte: Fecoagro